quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Minha casa, minha vida

O ser humano é insuportavelmente intrometido.
Se não fosse assim, metade das revistas que fazem fofocas de artistas não existiria.
Como se a vida fosse muito fácil para todo mundo, pessoas ainda perdem seu precioso tempo tomando conta da vida dos outros.
O que me interessa o que o meu vizinho está fazendo? Nada!
O que eu acho mais interessante nessa história toda é que quanto mais uma pessoa se preocupa em vigiar a vida alheia, mais fácil ela é enganada.
Quando sai da civilização, estava muito preocupada com a violência urbana e me entristecia quando via a casa ao lado ser furtada por menores ou o segurança noturno da fábrica em frente vir nos pedir dinheiro para comprar maconha, mas o que eu não imaginava é “que atrás daqueles morros existiam morros muito mais altos”.
Infelizmente, quem vive em uma metrópole já se acostumou a ouvir tiros, a ver pessoas fumando maconha até no ponto do ônibus, a ser assaltado ao ir a locadora, a ter mais de uma tranca na porta de casa, a andar pelas ruas abraçada à bolsa.
Há alguns anos atrás, quando o jogo do bicho ainda mandava na cidade, havia um certo respeito e o traficante não permitia que houvesse assalto na sua área para não chamar a atenção da polícia. Os mais velhos eram respeitados e professor era como um herói que poderia ajudar as crianças da comunidade a progredir.
Hoje em dia não existe mais nada disso: o roubo acontece até dentro da comunidade, o traficante bate, prende e arrebenta no local onde vive, os mais velhos são espancados para roubar o dinheiro da droga e o professor tem que pisar miudinho para não morrer.
Estamos vivendo em plena guerrilha urbana.
O pior é que nos acostumamos com tudo isso.
Eu cresci em uma pequena comunidade chamada Ilha da Conceição, em Niterói.
Lá eu não ouvia falar de assaltos a residências. Havia muitas brigas por causa de bebedeiras, mas era um pequeno recanto de pescadores e gente muito religiosa.
Mesmo em Niterói, o índice de criminalidade não era tão grande.
Quando me casei, me mudei para Petrópolis. Em Petrópolis via-se muito furto de residências de veranistas, mas em geral não era um lugar violento.
Na minha opinião, e é uma opinião muito singular, Petrópolis morreu e esqueceram de avisar os seus moradores. Lá faz um frio tão úmido que o número de assaltos é baixo porque os meliantes congelam antes conseguirem escolher uma vítima. Isso acontece até porque não fica ninguém nas ruas durante as noites.
Depois de me enterrar na “mui” honrosa cidade de Pedro por 1 ano, vinte nove dias, 11 minutos e 45 segundos, nos mudamos para a zona norte do Rio de Janeiro.
Acabamos indo para o lugar onde meu marido passou a sua vida antes de se casar.
A estação do Rocha era um lugar sombrio, esquisito.
Assim que chegamos com a mudança a senhoria veio me dizer que nunca deveria deixar a porta aberta daquela maneira que poderia ser perigoso.
No começo eu achei um pouco de exagero de gente velha, mas depois eu percebi que todas as porta tinham pelo menos quatro trancas e que os vizinhos nunca conversavam nas varandas.
Aos poucos fui me ambientando e me localizando melhor no lugar onde morava. Eu estava morando nada mais, nada menos que entre a favela da Mangueira e a do Jacarezinho.
E se você, meu caro leitor, se achava que não dava para ser pior, todos os ônibus que iam da zona norte para o Maracanã, passavam obrigatoriamente pela minha porta.
E para a vida ficar ainda mais emocionante, tinham 2 clubes enormes ( 1 do lado da minha casa, praticamente, e outro na rua ao lado) que promoviam bailes funk. Um no sábado, outro no domingo.
Para quem não conhece o baile funk, eu posso dizer que, se existe inferno, é bem parecido com aquilo.
Embora alguma letras tentem contradizer, a “galera” já vai para os bailes fazendo “arrastão”, roubando carros, fazendo “zoeira” nas ruas, desrespeitando quem passa ou quem vive no local.
Pode até ter gente ali que está apenas disposta a se divertir porque gosta do ritmo, mas a maioria é baderneiro e marginal .
Só quem viveu ou vive a situação pode afirmar isso.
Acho um projeto muito interessante dessas ONGS que organizam movimentos de integração nas comunidades e fazerem festas em ruas desde que não seja na frente da minha casa!
De 15 em 15 dias eles chegavam com suas caixas de som enormes, às 8h da manhã e colocavam de frente ao meu portão e só desligavam às 10h da noite.
Eles respeitavam a lei do silencio, mas não respeitavam os moradores que eram obrigados a conviver com um som que fazia tremer as janelas!
Era uma multidão que ocupava a rua que quando algum desavisado tentava passar com o carro, tinha que esperar a multidão afastar.
Um dia eu não agüentei e chamei a polícia e expliquei a situação.
Não sei se não levaram a sério ou não entenderam bem o que estava acontecendo, mas mandaram apenas um carro com dois policiais dentro que nem pararam. E eu na situação deles também não parava, pois se aquela multidão se revolta não dava tempo nem do policial sacar a arma.
Depois de assaltarem minha casa, balearem 2 na minha porta, começamos a procurar um lugar mais tranqüilo para viver.
Depois de procurar muito, achamos um condomínio em Guaratiba que parecia o verdadeiro paraíso, mas não era um condomínio de casas e sim de terrenos, então, decidimos fazer uma casa.
Foi ai que começou a minha saga.
Para quem sempre morou em casas prontas, parecia fácil achar que fazer uma casa não deveria ser tão difícil assim.
Que doce ilusão!
Uma casa tem fundação, leva sapatas e alicerce . Isso tudo leva concreto. Que leva pedra, ferro, areia e cimento e um monte de madeira que depois não vai servir para mais nada!
Tem que se erguer tijolos, que levam terra e mais cimento para juntá-los.
Não podendo esquecer que cada 3 metros de parede tem ter colunas que levam ferros, pedra, areia e mais cimento!
Tem a aguada de cimento que leva pedra, areia e mais cimento.
Não se pode esquecer das portas e janela que levam vigas de sustentação que levam pedras, ferro, areia e mais cimento.
Paredes erguidas, portas e janelas colocas, hora de fazer encanamentos e parte elétrica. Que levam canos, caixa de esgoto, caixa de gordura, ralos, registros e fios de cobre de várias bitolas, disjuntores, tomadas, bocais, lâmpadas, vara de aterramento, plafonier, interruptores e metros e mais metros de conduítes que serão estrangulados ao se “bater” a laje e para que você nunca mais consiga passar sequer mais um fio por eles.
O que mais me irrita nessa parte são os canos de esgoto porque são muito caros para levar a mercadoria a que se destinam.
Depois disso faz-se uma cinta na parte de cima da casa que leva ferro, areia, pedra e mais cimento.
Ufa! Não estamos nem na metade!
Compra-se a laje pré-fabricada e recebe uma listinha de seu “amado” pedreiro com o material para “bater” a laje.
PORRA! A laje não é pré-fabricada? Ainda tem que bater?
Mas vamos à lista:


25 sacos de cimento
1 montão de areia
1 montão de pedra
escoramento para laje
20 pessoas extras para trabalhar no dia a 20,00 cada uma, mais o lanche.


Mas, perae!
Escoramento de laje?
Sim, um monte de madeira tosca que parecia ser cortada ali na esquina que o pedreiro usa para fazer a contra-flecha.
Contra o quê? Fecha é coisa de índio, estou fazendo uma casa, não uma oca.
A laje é batida cedo.
Cedo para quem, cara pálida?
Para mim, cedo é 8h, para levantar e começar a sair para um lugar que ficava a 65km da minha casa. Resultado: cheguei às 11hs, quando o serviço já estava terminando.
Homem costuma dizer que mulher que mulheres falam muito, mas vocês precisam ver uma laje sendo batida!
A “Festa no apê” do “Latino” parece um velório!
E você se perguntando se vai mesmo morar em baixo daquela “bagunça”.
Agora para tudo por quase um mês, pois não dá para trabalhar com aquele monte de escora de laje pela casa e não dá para retirar o escoramento porque a laje cai.
Depois do escoramento retirado você consegue entrar na sua casa todo orgulhoso, mas na verdade ela parece um enorme barraco! A cor daqueles tijolos na parede é algo realmente irritante.
Quando se entra pela primeira vez na casa a gente fica se perguntando o que mais ainda está faltando. A essa altura já se consumiu um caminhão de areia, um caminhão de pedra e mais de 100 sacos de cimento e casa não parece nada habitável!
A essa altura, também, o seu pedreiro já se mandou e o telefone celular que ele te deu o número já era.
Nessa fase da obra é que conseguimos diferenciar quem realmente tem dinheiro e quem faz economia para poder construir.
Quem tem dinheiro manda embaçar a casa por dentro, por fora e o muro, quem tem algum dinheiro manda emboçar por dentro e quem faz a obra de teimoso, manda emboçar um quarto, um banheiro e, se sobrar, a sala..
Nem precisa dizer que nós só emboçamos a metade da casa e mudamos com ela no tijolo e depois o dinheiro foi ficando escasso e tivemos que parar por um bom tempo.
Nesse tempo em que minha obra ficou parada, fiquei me perguntando porque construímos cômodos que não utilizamos.
O primeiro lugar que resolvemos “terminar” foi o banheiro e o primeiro problema que encontramos foi o emboço que teve que ser retirado porque o pedreiro fez uma massa muito fraca para sobrar cimento para ele vender.
Outro problema era que estamos reformando o único banheiro da casa. O jeito foi usar o matinho mesmo.
Era uma cena bem engraçada! Ver um homem de 1,80 caminhando para o meio do mato com um rolo de papel higiênico na mão.
Quebrada a parede, era hora de refazer. Depois da parede vem o contrapiso, para no fim colocar pisos e azulejos.
Pensaram que era simples assim? Erraram.
Para fazer tudo isso é preciso terra, areia, cimento, pisos e azulejos, louça sanitária, vitrô
registros, torneiras...
Uma das primeiras coisas que o pedreiro fez foi retirar o vitrô do banheiro para colocar no dia seguinte. E a segunda coisa que ele fez foi faltar no dia seguinte.
A conclusão da história foi que entrou um morcego pelo buraco aberto. Eu acordei no meio da noite e flagrei o visitante noturno vagando pela casa meio desnorteado. Lógico que eu não dormi mais naquela noite, fiquei acompanhando o passeio “do ilustre visitante” pela casa.
O meu banheiro foi um espetáculo à parte, pois levou 15 dias para ficar pronto e não ficou.
Ainda falta o Box, o teto e trocar a porta.
Imaginem o barulho de uma maquita no seu ouvido por dias a fio!
Quase enlouqueci e, definitivamente perdi a vontade de voltar a fazer obra de novo.
No ano seguinte me animei de novo e resolvemos fazer o piso da sala.
A sala já estava emboçada, se é que se pode chamar aquilo de emboço.
Colocamos o piso, a porta nova, a janela, compramos todo material para acabar a sala e, mais uma vez, paramos no meio do caminho porque não tinha telhado e estava dando infiltração nas paredes.
O telhado é uma das coisas mais caras numa obra.
Enguiçamos outra vez.
Quando resolvemos colocar o telhado, chamamos o pedreiro que construiu a casa.
Nem precisa dizer que foi uma loucura total, pois além de todo o barulho tinha um agravante: ele era feito em cima de nossas cabeças!
Eu não entendo como esse pessoal consegue falar tão alto ao mesmo tempo em que martela, corta, cimenta.
Com certeza eu não conseguiria. Não sei se os anos em que usei cabelo louro fez com que a amônia afetasse os meus neurônios ou coisa parecida, mas ou eu converso ou martelo porque, com certeza, meus dedos são mais fáceis de acertar do que a cabeça de um prego.
Como sempre, nos prometeu o final da obra em 3 dias e se passou mais de uma semana sem que eu visse o seu fim.
Prefiro nem comentar o que eu tive que comprar para fazer meu telhado.
Quando a casa já estava toda telhada, teriam que fazer duas varandas: Uma na frente e outra atrás.
O problema é que os pedreiros começaram a brigar em si e a minha obra foi abandonada!
Meu marido resolveu fazer sozinho as varandas, mas ele trabalha devagar.
Cada vez que ia colocar a roupa no varal, eu enchia os pés de aterro.
Para quem não conhece aterro, eu posso afirmar que é uma coisa barrenta e insuportável para se ter agarrado ao chinelo. É uma espécie de barro vermelho que quando você pisa afunda e fica com uma sola, que dependendo do seu peso, pode chegar a uns 5cm.
Depois de uns 2 meses, um dos serventes que trabalhou aqui em casa apareceu e disse que traria um pedreiro para fazer a aguada da varanda de trás, porque a da frente já estava pronta.
A varanda foi feita e eu posso dizer que bom, bom, bom, não ficou, mas “ta” bom.
Quando o ano terminou, decidimos fazer o quarto do meu filho assim que começasse o ano.
Assim foi acerto.
O que parecia uma coisa simples, se tornou uma operação de guerra, pois o Lipe já tinha uma vida estabelecida naquele lugar.
Quando uma casa não está pronta e você vai viver nela, acaba-se improvisando tudo. Nunca chegamos a montar o guarda-roupa dele, então ele usava apenas aquela parte de cima para guardar suas roupas e improvisava mesas com pedaços de tábuas e etc.
Sem contar as coisas que ficaram sem lugar para serem guardadas, pois desmontamos a sala e nunca acabamos e que foram parar no quarto do Lipe.
Era tanta tralha que eu consegui encher a varanda de trás da casa inteira!
Quando eu finalmente consegui tirar tudo, vieram os pedreiros.
O quarto do meu filho teve um problema e até a aguada de cimento teve de ser quebrada.
Quando eu vi que o chão teria que ser refeito, pensei que o prazo de 3 dias para o término da obra tinha ido para o azeite, mas posso dizer que eles trabalharam os 3 dias e terminaram o serviço.
Lógico que, para variar, não posso dizer que o quarto está acabado, pois falta o rebaixamento do teto e colocar a porta, mas parece que o Lipe vai ser o único nessa casa a viver uma vida normal, pois colocando os móveis, ele passa a ser gente de novo.
Quando se vive empilhado tem-se a impressão de não ser mais humano, mas a gente sobrevive.
O próximo capitulo dessa historia se chama cozinha, mas isso é outra historia...

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